quinta-feira, 17 de abril de 2014

O Pensador

 
 
Morei numa casa enorme num subúrbio do Rio até os 5 anos.
Me lembro dela muito bem.
Tinha uns 3 quartos, varanda nos fundos e um quintal grande.
Mas não morávamos sozinhos.
Tinha junto com a gente a família de um tio ( irmão do meu pai).
Não lembro de interagir com nenhum membro da família.
Eu tinha um mundo muito particular.
Explorava a casa como um reino encantado.
Tinha uma horta onde uma vez acharam uma cobra sem cabeça.
Nem sei se era sem cabeça mesmo, mas assim tenho na minha memória.
A cozinha era tão grande que não conseguia de uma ponta ver o outro lado.
Tinha uma parreira cujas as uvas nunca chegavam a crescer. Eu as comias bem pequeninas
Na varanda,havia um muro de pequenas pilastras romanas com espaço entre elas.
 
Certa vez resolvi enfiar a cabeça entre as pilastras.
Nem sei bem pra que.
Fiquei com a cabeça presa, claro!
Mas como tinha um mundo muito particular.
 
Bom, é a única vez que lembro das pessoas que moravam comigo.
Uma gritaria infernal!
Todos tentando me puxar pelo bumbum.
Minha mãe chorava.
Meu pai me dava bronca de nervoso.
Meu tio/padrinho meio em desespero.
Minha irmã engatinhava e meu primo chorava.
Eu apenas pensava.
 
Depois de uma meia hora nessa tentativa, desistiram
A vizinhança chamou o corpo de bombeiros.
Todos foram pra varanda da minha casa a espera de socorro.
E eu pensando entre as pilastras.
 
Um tempinho depois, ouvi o barulho das sirenes.
Ouvi os passos dos bombeiros, até que vi de canto de olho as botas de um deles.
Mexi a cabeça e disse:
- ihhh ....saiu!
 
Foi o maior esporro coletivo que já levei na vida
 
 

domingo, 13 de abril de 2014

Salve Jorge




Eu tive um tio.
Irmão da minha mãe.
Ele era a pessoa mais legal e engraçada que conheci.
Toda família tem um tio legal, mas como esse era o meu, era o mais legal de todos
O nome dele era Jorge.
Nada pra ele era discreto.
Tudo era grandioso.
Ele comprava roupas de baixo na rua popular aqui no Rio de Janeiro.
A Rua da Alfândega (o equivalente a 25 de março de SP).
Mas ele não comprava 1 cueca só, comprava 25 de uma vez.
Comprava 25 pares de meia também.
O engraçado é que a toda roupa dele, mas toda mesmo combinava. Meias com cuecas e cintos. Calça com blusa e sapatos.
Como a compra era maciça, sempre dizia que tinha 90 pares de sapato, 110 blusas, 120 cuecas, 200 cintos e etc. Tudo da rua da Alfandêga.
Era uma figura!
Além disso, em nenhum dos meus aniversários de criança ele deixou de comparecer. E comprava todos os presentes na rua da Alfandega também. E não era só uma boneca. Era aquele saco, com 25 bonecas de plástico.
Adorávamos os causos dele.
Havia sido alcóolatra e foi do AAA por 20 anos.
Por isso, tinha milhões de histórias pra contar sobre as bobagens que fazia quando ainda bebia.
Ainda bem que ele nunca mais bebeu.
Como ele dormia algumas vezes na minha casa, era todo arrumado e combinandinho que deitava. Só acordava de manhã e lavava os olhos.
E quando se olhava no espelho dizia: " A velhice é uma merda"!
Não entendia muito bem, porque era muito nova (uns 30 anos)
Hoje claro que entendo bem e virou até um código de família: "a velhice é uma merda"
Morreu aos 64 anos de um câncer no fígado.
Foi rápido e a última vez que falei com ele ao telefone já internado me disse:
- "Tô todo amarelo, mas meu pijama é de um amarelo tão espetacular que combina exatamente com minha pele.
Saudades do tio Jorge e como é bom ter tido na vida alguém como ele!